Iwoye-Ketu, uma vibrante comunidade na fronteira entre a Nigéria (Estado de Ogun) e a República do Benin, é mundialmente conhecida por um mandamento simples, mas inquebrável: é proibido abrir um guarda-chuva (àgbọ̀n) dentro dos limites da cidade.
Este tabu (Èwò) é mais do que uma curiosidade cultural; é um elo vivo com as tradições mais profundas da civilização iorubá. Mesmo sob o temporal (òjò), os moradores usam capas, capuzes ou folhas de plástico, mantendo a obediência a uma lei ancestral.

Parte I: O Tabu (Èwò) e a Fé Local
A Origem Divina: Orísá Oluwa
A história da cidade remonta à migração do rei lendário Olumu de Ilé-Ifẹ̀ (o berço iorubá), no século XVII. Olumu fundou Iwoye-Ketu e estabeleceu a autoridade de sua dinastia (Ooye), trazendo consigo os pilares de sua fé: o cajado real Òpá Ògbó e a divindade Orísá Oluwa.
Foi esta divindade quem ditou as Òfin (leis) da comunidade, estabelecendo dois Èwò centrais que perduram até hoje:
- Proibição de Porcos (Ẹlẹ́dẹ̀): Considerados sujos (kò mọ́), são banidos dos limites sagrados da cidade.
- Proibição do Guarda-Chuva (Àgbọ̀n): Este tabu decorre do respeito absoluto a Orísá Oluwa. O formato aberto do àgbọ̀n é visto como uma zombaria (ẹ̀fẹ̀) ou uma afronta direta, pois se assemelha ao dossel sagrado ou à cobertura cerimonial utilizada nos rituais da própria divindade.
A Força da Obediência (Ìtẹ̀lépa)
Apesar de a cidade ser um ponto de modernidade — com comércio intenso na fronteira e próxima à Universidade Federal de Agricultura — e um centro multiétnico (habitado por iorubás, Hausa, Fulani, entre outros), a tradição do àgbọ̀n é mantida inabalável.
Os protocolos são rigorosos: visitantes são alertados na chegada. A ausência de quebra deste Èwò é, por si só, a maior prova da força do Àṣẹ (poder e autoridade) ancestral sobre a comunidade.
Um guarda-chuva é um objeto de proteção contra chuva ou sol forte. Quando começa a chover, as pessoas param para abrir seus guarda-chuvas imediatamente, mas não em Iwoye-Ketu, uma comunidade fronteiriça na Área de Governo Local de Imeko/Afon, no estado de Ogun, Nigéria. Lá, os moradores preferem ficar encharcados pela chuva a usar um guarda-chuva, pois seu uso é tabu.
O costume remonta ao século XVIII, quando os primeiros colonos da comunidade encontraram a terra, e desde então, a tradição se manteve mesmo após o advento do cristianismo e do islamismo. Os jovens de Iwoye-Ketu podem ter problemas com isso, mas não desafiam a regra.
Iwoye-Ketu é dividida entre a Nigéria e a República do Benin, e fica a cerca de 98 km de Abeokuta, capital do estado de Ogun, e faz fronteira com a área de governo local de Iwajowa, no estado de Oyo, ao norte, e com o país francófono, a oeste, de acordo com uma reportagem do Punch.
Com uma população de cerca de 75.000 habitantes, a maioria dos Iwoye são agricultores e caçadores. Outros são comerciantes. Seus ancestrais são de Ile-Ife, no estado de Osun, e a cidade compartilha uma história semelhante com outras antigas cidades iorubás, como Oyo. Além dos iorubás, outros grupos étnicos que podem ser encontrados em Iwoye-Ketu são os igbos, eguns, hauçás, fulanis, ohois e igedes.
Por que guarda-chuva não é permitido
Segundo a lenda, um dos primeiros colonos da comunidade, chamado Olumu, veio de Ile-Ife, no estado de Osun, para Iwoye-Ketu com três itens: uma coroa, um cajado chamado Opa Ogbo e sua divindade, Orisa Oluwa. É a divindade Orisa Oluwa que não permite o uso de guarda-chuvas em Iwoye-Ketu e Wasinmi, uma comunidade menor controlada por Iwoye-Ketu. A divindade também proíbe a criação de porcos por serem sujos, disse recentemente o Ooye de Iwoye-Ketu ou o rei da comunidade, Joel Aremu, ao Punch.
“Cumprimos as regras porque nós (moradores) conhecemos o costume. As crianças são informadas sobre o costume e, quando estranhos entram, também as informamos que não podem usar guarda-chuva nem criar porcos aqui”, disse ele. “Nossos moradores podem usar guarda-chuva fora da comunidade; é na comunidade que é proibido. Herdamos a tradição dos nossos antepassados e a mantemos desde então porque respeitamos a nossa cultura. Felizmente, ninguém desafia a regra”, acrescentou.
Alguns estranhos entram na comunidade e usam guarda-chuvas, mas quando o fazem, os anciãos Iwoye-Ketu não os assediaram, mas sim os informaram que isso é contra sua tradição.
“Nada de ruim acontecerá se alguém usar o guarda-chuva, mas é nossa tradição e queremos mantê-la assim”, disse Aremu.
Muitos moradores de Iwoye-Ketu têm guarda-chuvas, mas os usam apenas quando estão fora de Iwoye-Ketu. Quando estão na comunidade, recorrem a capuzes, capas de chuva, polietileno, chapéus tradicionais de tecido e outras roupas para se proteger da chuva ou do sol.
No entanto, há outra história por trás da proibição do uso de guarda-chuvas. Um ancião de Iwoye-Ketu, Jonathan Idowu, descreveu como essa história começou com seus antepassados, que eram caçadores.
“Naquela época, nossos antepassados costumavam caçar elefantes nas florestas. Como os elefantes têm orelhas grandes, largas como um guarda-chuva, eles se sentiam ameaçados ao ver guarda-chuvas sempre que viam caçadores com eles. Na maioria das vezes, os elefantes os perseguiam”, disse ele ao Punch.
Como resultado, houve muitos ataques violentos de elefantes contra os caçadores. E como era tradição dos caçadores consultar Orisa Oluwa antes de partir, mais tarde, a divindade os alertou contra o uso de guarda-chuvas.
“Nós (moradores) obedecíamos a tudo o que o Orisa Oluwa nos mandava fazer. Se ele ordenasse aos caçadores que não saíssem e que seriam mortos na floresta se o fizessem, eles ficariam em casa. O Orisa Oluwa também foi consultado durante a guerra. Então, quando ele proibiu o uso de guarda-chuvas, nós obedecemos e temos obedecido desde então”, disse ele.
Hoje, poucos sabem a aparência da divindade, Orisa Oluwa, pois apenas os mais velhos visitam o santuário da divindade para realizar rituais. Mesmo assim, Orisa Oluwa é altamente respeitada. Dentro de Iwoye-Ketu, a comunidade nigeriana onde é tabu usar guarda-chuva
Parte II: Iwoye-Ketu no Grande Contexto Iorubá
Uma Cidade de Fronteira com Linhagem Real
Iwoye-Ketu, cujo nome atesta sua afiliação, não é o mesmo que o Reino de Ketu, mas é um pedaço fundamental do seu legado. O Reino de Ketu é um dos mais antigos reinos iorubás, fundado por descendentes de Òdùduwà.
A localização de Iwoye-Ketu é única: ela é uma cidade de fronteira cuja jurisdição se divide entre a Nigéria e o Benin. Este ponto geográfico sempre a colocou no centro de tensões e trocas culturais.
A Validação Histórica de Ketu
Para o povo iorubá, as tradições de Ketu carregam uma nobreza milenar. O historiador E. G. Parrinder, em sua obra seminal, The Story of Ketu: An Ancient Yoruba Kingdom (1956), confirmou a importância histórica de Ketu como um dos reinos mais antigos.
A história de Ketu é crucial para entender a diáspora africana. A destruição do reino pelos Daomeanos (Fons) na década de 1880 resultou na escravização de muitos de seus cidadãos, que levaram suas tradições e divindades para o Brasil. É por isso que a Nação Ketu se tornou um dos pilares do Candomblé brasileiro, preservando e perpetuando o conhecimento e o Àṣẹ desta antiga civilização em solo americano.
O Èwò do àgbọ̀n em Iwoye-Ketu, portanto, transcende uma simples proibição; é o símbolo da persistência e da identidade de um povo que, mesmo dividido por fronteiras modernas e atravessado pela história, mantém firme a Lei Ancestral herdada de Olumu e Orísá Oluwa.
É uma excelente ideia resumir o livro de Parrinder, pois ele fornece a base histórica e cultural para entender toda a região de Ketu e sua importância na Diáspora.
Aqui está um artigo detalhado, no formato de resumo/revisão, focado nos pontos principais da obra de Edward Geoffrey Parrinder:
📚 Revisão Histórica: A História de Ketu, um Antigo Reino Iorubá
| Detalhes da Obra | |
| Título Original | The Story of Ketu: An Ancient Yoruba Kingdom |
| Autor | Edward Geoffrey Parrinder |
| Ano de Publicação | 1956 |
| Editora | Ibadan University Press (Nigéria) |
| Foco | O Reino de Ketu (Benin/Nigéria), sua fundação, mitologia, estrutura política e sua queda. |
The Story of Ketu, de E. G. Parrinder, é considerada uma das fontes acadêmicas mais importantes sobre a história dos iorubás na região que hoje abrange o Benim e a Nigéria. O livro não é apenas um registro histórico, mas uma compilação de tradições orais, mitos e eventos que definiram um dos mais antigos e resistentes reinos iorubás.
1. A Origem e a Ligação com Ilé-Ifẹ̀
Parrinder estabelece Ketu como um dos reinos de “primeira geração”, fundado diretamente a partir da dispersão dos filhos e netos de Òdùduwà (ou seus descendentes diretos) a partir de Ilé-Ifẹ̀, a cidade sagrada e o berço da civilização iorubá.
- Fundação: O livro traça a linhagem do reino a Sopasan, um dos descendentes de Òdùduwà. As migrações que deram origem a Ketu foram complexas, muitas vezes forçadas por conflitos internos e pressão de outros grupos.
- Realeza (Oba): O governante de Ketu é o Alákétu. A obra detalha as regras de sucessão, rituais de entronização e a importância sagrada da realeza no reino.
2. A Estrutura Política e o Foco na Religião
O trabalho de Parrinder não se limita à história militar; ele detalha a organização social e, principalmente, a religiosa do reino, um aspecto crucial para entender a sobrevivência cultural de Ketu:
- Governo: Ketu possuía uma estrutura política complexa, com o Alákétu no topo, auxiliado por um conselho de chefes. Parrinder explora as relações de poder e as obrigações rituais do rei para com a comunidade.
- A Fé como Pilar: A vida em Ketu era (e é) profundamente regida pelos Òrìsà. O autor documenta como a religião e a mitologia iorubá, com seus cultos e Èwò (tabus), eram inseparáveis da lei civil e da identidade do reino.
3. A Luta pela Sobrevivência: Inimigos e Conflitos
Uma parte significativa da narrativa de Parrinder foca nas ameaças externas que Ketu enfrentou ao longo de sua história:
- O Império de Ọ̀yọ́: Ketu manteve uma relação complexa com o poderoso Império de Ọ̀yọ́. Embora Ketu afirmasse sua autonomia, Ọ̀yọ́ tentou, por vezes, reivindicar tributos, o que mostra a constante tensão e resistência do reino.
- Guerras contra Daomé (Fon): O clímax da história é a longa e brutal rivalidade com o vizinho Reino do Daomé (no atual Benin). O livro descreve as batalhas e, finalmente, a destruição e o saque da cidade de Kétou na década de 1880 pelas forças Daomeanas. Essa destruição foi tão severa que a história de Ketu ficou marcada pela tragédia.
4. O Legado e a Diáspora (Implicações Pós-1956)
Embora o livro tenha sido publicado em 1956, o contexto que ele estabelece é vital para a compreensão moderna:
- A Nação Ketu: A destruição e a subsequente venda de milhares de cidadãos de Ketu como escravos no Atlântico fizeram com que a cultura e os cultos de Ketu se tornassem a principal fonte da Nação Ketu do Candomblé no Brasil. Parrinder fornece o pano de fundo histórico que explica por que os iorubás de Ketu foram tão instrumentalizados na formação das religiões afro-brasileiras.
- Fronteiras Modernas: A localização geográfica de Ketu, “atravessada” pelas fronteiras coloniais entre a Nigéria (britânica) e o Daomé (francês), explica a fragmentação do território e a complexa identidade de comunidades como Iwoye-Ketu.
🌟 Conclusão da Obra
“The Story of Ketu” é um testemunho da tenacidade e da força cultural (Àṣẹ) do povo iorubá. Ao coletar e organizar a tradição oral antes que ela fosse inteiramente apagada, Parrinder garantiu que a história de um dos grandes reinos da África Ocidental permanecesse viva, fornecendo a base para o estudo da religião e da história iorubá em todo o mundo. O livro não é apenas um documento sobre um reino antigo; é a chave para entender as raízes profundas de uma cultura que floresceu mesmo após a catástrofe da escravidão.